No universo corporativo e político, é natural observar divergências nos caminhos para se alcançar a ética e o Compliance. Essas diferenças refletem muito mais do que preferências: elas revelam como pessoas e organizações percebem o mundo e adaptam conceitos e métodos para atingir seus objetivos de maneira única. No campo do Compliance, essas variações são especialmente evidentes, levando-nos a questionar: por que, mesmo com metas em comum, os métodos para alcançá-las divergem tanto?
A Psicologia das Divergências: Insights de Teorias e Pesquisas
A psicologia social ajuda a entender como e por que grupos escolhem caminhos diferentes para chegar a objetivos parecidos. Três teorias ajudam a explicar essa dinâmica:
– Teoria da Realidade Compartilhada: Pesquisas lideradas por Michael Tomasello sugerem que grupos criam “realidades compartilhadas” baseadas em normas, interações e experiências que influenciam decisões e percepções (A Natural History of Human Thinking e Origins of Human Communication ). No Compliance, isso explica por que algumas empresas escolhem o Compliance behavior, centrado em cultura e valores internos, enquanto outras optam pelo Compliance tradicional, que foca em regras e controle externo.
– Teoria das Janelas Quebradas: Esse estudo icônico, originalmente proposto por James Q. Wilson e George L. Kelling, mostrou que sinais de desordem, mesmo pequenos, podem levar a comportamentos antiéticos mais sérios. No contexto de Compliance, essa teoria fundamenta abordagens que buscam moldar o ambiente de trabalho para que pequenas ações éticas e comportamentos positivos se acumulem, criando uma cultura sólida e ética na organização. Dan Ariely, especialista em comportamento, reforça que ambientes que promovem esses valores estimulam comportamentos éticos, mesmo que ele não seja o autor direto da teoria.
– Modelo de Mudança Organizacional de John Kotter: Kotter argumenta que mudanças sustentáveis precisam de um equilíbrio entre controle estrutural e transformações culturais. Ele mostra que, embora estruturas e regras sejam essenciais, a cultura organizacional e o engajamento dos colaboradores também são vitais para uma mudança ética genuína. Isso aponta para a necessidade de combinar Compliance baseado em regras com Compliance comportamental. (Leading Change” (1996) – de John P. Kotter)
Abordagens no Compliance: Tradicional e Comportamental
As organizações geralmente oscilam entre duas abordagens principais no compliance: a tradicional e a comportamental. Cada uma oferece métodos únicos para promover a ética e a conformidade organizacional.
– Compliance Tradicional (ou Regulatório): Esta abordagem cria uma estrutura de regras claras, com monitoramento e auditorias rigorosas. É usada em setores regulamentados como o financeiro e o farmacêutico, onde o cumprimento estrito das normas é vital para evitar riscos legais. Profissionais de direito desempenham um papel crucial nessa abordagem, interpretando normas complexas e implementando políticas para garantir que a empresa siga as regras, esteja protegida contra sanções e preparada para auditorias e inspeções.
– Compliance Comportamental (Behavior): Focado em promover a ética no dia a dia, o Compliance comportamental busca criar uma cultura organizacional que valorize o comportamento ético. Inspirado pela Teoria das Janelas Quebradas, esse modelo foca no contexto e nas práticas diárias que incentivam pequenas ações éticas. Estudos de Dan Ariely mostram que o ambiente influencia o comportamento, e essa abordagem é especialmente eficaz em empresas que priorizam inovação e flexibilidade, como o setor de tecnologia. (Previsivelmente irracional: As forças invisíveis que nos levam a tomar decisões erradas)
Outras Abordagens em Compliance e Suas Origens
Além das abordagens tradicional e comportamental, outras metodologias foram desenvolvidas para lidar com contextos e desafios específicos. Cada uma dessas abordagens é inspirada em conceitos amplamente aceitos de gestão de riscos, ética e tecnologia.
– Compliance Baseado em Risco: Inspirada nas diretrizes do Comitê de Supervisão Bancária de Basileia e na norma ISO 31000, essa abordagem foca os recursos de Compliance nas áreas de maior vulnerabilidade e impacto potencial. Empresas multinacionais que operam em mercados de alto risco, como mineração e energia, aplicam esse modelo para reduzir incidentes de não conformidade em áreas críticas, resultando em uma prevenção mais direcionada.
– Compliance Preventivo: Com origem no “Modelo de Prevenção Primária” de George Albee, usado inicialmente na saúde mental, o Compliance preventivo é amplamente utilizado em setores que enfrentam riscos elevados de fraudes e práticas antiéticas, como o setor financeiro. Essa abordagem incentiva a vigilância e a eliminação de riscos antes que eles se manifestem, promovendo uma cultura de preparo e alerta.
– Compliance Baseado em Valores (ou Compliance de Princípios): Embora semelhante ao Compliance comportamental, o Compliance baseado em valores vai além, enfatizando a internalização de valores éticos centrais como princípios de decisão. Inspirado em teorias de ética organizacional, essa abordagem prioriza que os valores éticos da empresa guiem as ações dos colaboradores. Pesquisas da Harvard Business Review indicam que empresas com uma cultura de compliance baseada em valores são mais resilientes em crises, ao contrário de empresas que dependem unicamente de regras.
– Compliance Digital (Data-Driven Compliance): Com o avanço das tecnologias de análise de dados, o Compliance digital está crescendo em relevância. Essa abordagem usa algoritmos e monitoramento digital para detectar e prevenir problemas de conformidade em tempo real. Estudos da Deloitte indicam que o uso de algoritmos preditivos pode reduzir incidentes de não conformidade em até 40%, tornando o compliance digital uma ferramenta essencial para empresas com grandes volumes de transações e dados sensíveis.
Perspectivas da Filosofia de Dov Seidman: O “Como” no Compliance
Dov Seidman, fundador do The HOW Institute for Society, defende que a forma como as empresas operam – o “como” – é tão importante quanto os resultados que elas buscam. Para Seidman, o compliance é mais do que um conjunto de regras: é uma jornada ética que requer compreensão de como as ações afetam não só a organização, mas todos ao redor, incluindo stakeholders e a sociedade.
Essa filosofia amplia a visão de Compliance, promovendo uma abordagem que considera a responsabilidade social e o impacto ético das ações empresariais. O HOW Institute enfatiza que o sucesso de uma organização não está apenas em cumprir normas, mas em fazer isso de forma íntegra, respeitosa e transparente. A visão de Seidman se alinha ao compliance baseado em valores, pois vê a cultura ética como um alicerce que não apenas protege a empresa, mas também cria um ambiente coeso e sustentável.
Estudos de Caso e Pesquisas Relevantes
Estudos reforçam a eficácia dessas abordagens:
– Dan Ariely sobre Desonestidade e Contexto: Ariely mostrou que as pessoas tendem a desrespeitar regras quando o ambiente permite desvios, reforçando a ideia de que um ambiente ético e positivo promove a conformidade de forma mais eficaz. (A (honesta) verdade sobre a desonestidade: Como mentimos para todo mundo, especialmente para nós mesmos)
– Simon Sinek sobre Liderança e Cultura Organizacional: Sinek defende que uma liderança orientada por propósito e valores constrói uma cultura em que o compliance é natural. Organizações que cultivam valores centrais veem o compliance como algo cultural e não apenas como uma obrigação. (Comece pelo porquê)
Desafios e Oportunidades das Abordagens Divergentes
Cada abordagem de Compliance apresenta vantagens e limitações, que precisam ser ponderadas com base no perfil da organização. O compliance tradicional é ideal para setores regulamentados, enquanto o Compliance comportamental é mais adequado em ambientes onde flexibilidade e inovação são essenciais. O compliance digital, embora promissor, requer investimentos em infraestrutura e segurança de dados, mas pode oferecer grandes benefícios em monitoramento e prevenção de riscos.
A Força da Diversidade de Caminhos
Não existe um modelo único que funcione para todas as organizações. O sucesso no compliance está em combinar aspectos das várias metodologias, criando um sistema adaptável à cultura e aos objetivos específicos da empresa. A psicologia por trás das escolhas de abordagem em Compliance mostra que o contexto molda as preferências e que reconhecer a diversidade de caminhos fortalece a resiliência organizacional e promove comportamentos éticos autênticos.
Ao considerar diferentes abordagens, as empresas vão além de simplesmente cumprir exigências regulatórias, construindo ambientes de trabalho mais éticos, seguros e inspiradores. Uma organização comprometida com a integridade não só evita sanções, mas também conquista confiança e respeito, elementos fundamentais para um sucesso duradouro.