Por Que as Empresas Não Devem Apenas “Fazer” Compliance?

Recentemente, me deparei com um artigo da Forbes que me deixou com um sentimento de frustração logo no título. Atuando há anos na área de Compliance, as reflexões de Dov Seidman no artigo me fizeram questionar até onde as empresas realmente entendem o conceito de compliance.

O artigo começa com uma pergunta intrigante: “Como uma empresa global pode garantir que todos os seus 100.000 funcionários, espalhados por operações em diferentes países, sigam todas as leis e regulamentos? Como o CEO dessa empresa pode ter certeza de que seus colaboradores estão agindo de acordo com padrões éticos ainda mais altos, exigidos por seus stakeholders?”

A resposta? Não é possível. Mesmo que uma empresa alcance uma taxa de sucesso de 99,9% em seus esforços de conformidade, ela ainda enfrentaria dezenas de casos de não conformidade todos os dias. Esse ponto destaca uma falha fundamental na abordagem tradicional de compliance, que muitas vezes prioriza “fazer compliance” em vez de promover uma verdadeira transformação cultural que incentive comportamentos éticos.

Compliance e o Desafio da Cultura Organizacional

Dov Seidman, em sua obra e palestras, argumenta que o verdadeiro desafio não é garantir que os funcionários sigam regras específicas, mas criar uma cultura de moralidade e liderança baseada em valores. Seidman acredita que “o como fazemos as coisas importa mais do que qualquer outra coisa” e que empresas deveriam focar em como os princípios morais e a liderança ética podem impulsionar mudanças significativas nas organizações e na sociedade. Isso implica em um novo paradigma para as empresas, que vão além do cumprimento de regras e começam a cultivar um ambiente de confiança e responsabilidade coletiva.

Em termos de formação de caráter e moral, a psicologia social nos ensina que os comportamentos são fortemente influenciados pelas normas do grupo e pelas expectativas sociais. O compliance puramente normativo, baseado em um “controle externo” imposto por regras rígidas, frequentemente falha em promover mudanças duradouras no comportamento individual. Isso porque, para que os comportamentos éticos se consolidem, é necessário que os colaboradores internalizem os valores da organização e se sintam parte ativa de um propósito maior. Como afirma Seidman, “acima de tudo, a liderança moral é sobre como os líderes tocam os corações, não apenas as mentes”.

Estudos da psicologia social, como a teoria da conformidade de Asch e o estudo de obediência de Milgram, destacam como a conformidade é muitas vezes alcançada por meio de pressão externa. Isso é o que vemos nas abordagens tradicionais de compliance: uma tentativa de forçar a conformidade por meio de normas rígidas e penalidades. No entanto, essa abordagem não é sustentável a longo prazo e pode até ser contraproducente, pois cria uma cultura de medo e evasão, em vez de uma cultura de ética genuína.

De Compliance a Cultura e Liderança

Seidman propõe que devemos repensar como lideramos, governamos e nos relacionamos com a sociedade. Ele defende que as empresas precisam ir além de “governança, risco e compliance” e adotar uma filosofia baseada em “governança, cultura e liderança”. Ao focar em valores compartilhados, as organizações podem criar um ambiente onde os colaboradores se sintam motivados a agir eticamente, mesmo quando ninguém está olhando.

Esse enfoque na “liderança moral” é suportado por dados que mostram que 88% dos funcionários dos EUA acreditam na necessidade urgente de liderança moral, mas apenas 16% relataram que seus gestores demonstram consistentemente comportamentos de liderança moral (Harvard Kennedy School, 2024). Ou seja, há uma lacuna significativa entre o que os colaboradores esperam e o que realmente experimentam.

O Impacto na Formação Moral dos Colaboradores

A promoção de uma cultura ética e de liderança moral nas organizações está diretamente relacionada à formação do caráter dos colaboradores. A psicologia moral nos diz que o desenvolvimento de um senso de ética depende de vários fatores, como o ambiente em que a pessoa está inserida e as experiências de aprendizado com as figuras de autoridade. Empresas que promovem uma cultura ética clara e que têm líderes que são exemplos de comportamento moral ajudam a moldar o caráter dos colaboradores de uma maneira que ultrapassa a conformidade normativa e se estende para a internalização de valores.

Uma Nova Abordagem: Liderança Moral e Princípios Éticos

Dov Seidman e outros especialistas sugerem que a mudança do compliance para uma abordagem mais baseada em liderança moral não apenas aumenta a eficiência da conformidade, mas também contribui para uma sociedade mais justa e colaborativa. Empresas que adotam essa abordagem conseguem integrar ética e propósito em sua rotina, criando um ambiente que incentiva a inovação, a responsabilidade e a sustentabilidade.

Conclusão: De “Fazer” Compliance para “Ser” Compliance

A transformação necessária nas empresas passa pela internalização dos valores e pela liderança que inspire, não apenas controle. Programas de compliance, por si só, são insuficientes quando não acompanhados de uma cultura que fomente a responsabilidade moral. Se queremos alcançar um verdadeiro comportamento ético, precisamos criar ambientes de trabalho que coloquem valores, propósito e confiança no centro de suas operações.

Para mais detalhes sobre a filosofia de Dov Seidman, você pode explorar o conteúdo do The HOW Institute for Society.

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