O trabalho de Compliance é um dos mais desafiadores do mundo corporativo. Os profissionais dessa área lidam diariamente com questões éticas complexas que exigem um profundo conhecimento dos princípios éticos e a capacidade de aplicá-los em situações reais. Esses desafios são frequentemente ilustrados por meio de dilemas éticos intrigantes que colocam em xeque nossa moralidade e nos forçam a tomar decisões difíceis. Vamos analisar três desses dilemas e discutir os princípios éticos em conflito presentes em cada um deles:
1. Dilema do Bonde:
Imagine-se como o maquinista de um bonde em alta velocidade, correndo pelos trilhos a 100 km/h. No final dos trilhos, há cinco operários trabalhando. Você tenta frear, mas os freios não funcionam. À direita, há um trilho auxiliar onde apenas um operário está trabalhando. Você tem a opção de virar o bonde para o trilho auxiliar, sacrificando a vida do operário solitário para salvar os outros cinco trabalhadores. Qual a coisa certa a fazer?
Esse dilema apresenta um conflito entre o utilitarismo e a ética dos direitos individuais. O utilitarismo argumenta que a ação correta é aquela que maximiza a felicidade ou o bem-estar geral. Nesse caso, virar o bonde para o trilho auxiliar, sacrificando a vida do operário solitário para salvar os outros cinco trabalhadores, seria justificado, pois resultaria em um menor número total de mortes e, consequentemente, maior bem-estar geral.
O utilitarismo é uma teoria ética que sustenta que a ação correta é aquela que produz o maior bem-estar ou felicidade para o maior número de pessoas. Nessa abordagem, o valor moral de uma ação é determinado pelas suas consequências e pelo seu impacto geral na sociedade. O utilitarismo busca maximizar o benefício geral e minimizar o sofrimento, considerando as consequências a curto e longo prazo.
Por outro lado, a ética dos direitos individuais considera que cada pessoa tem direito à sua própria vida e dignidade, e não pode ser usada como um meio para atingir um fim. Nesse contexto, sacrificar a vida do operário solitário seria considerado uma violação de seus direitos individuais, independentemente das consequências.
A ética dos direitos individuais é uma abordagem ética que enfatiza a importância dos direitos e liberdades individuais como princípios fundamentais na tomada de decisões morais. Essa perspectiva ética parte do pressuposto de que cada pessoa possui direitos inalienáveis e intrínsecos, simplesmente por ser um ser humano.
Não há uma resposta única para o que seria a coisa certa a fazer nesse dilema. Alguns argumentariam que a ação utilitarista de virar o bonde seria mais ética, pois maximizaria o bem-estar geral. Outros defenderiam a proteção dos direitos individuais e argumentariam que a tentativa de frear o bonde, mesmo com a possibilidade de mais mortes, seria mais ética.
2. Dilema do Paciente:
Agora, imagine-se como um médico responsável por cinco pacientes gravemente doentes, cada um precisando de um órgão diferente para sobreviver. No entanto, não há órgãos disponíveis. Agora, um paciente saudável entra no hospital para um check-up de rotina. Seus órgãos poderiam salvar as vidas dos outros cinco pacientes. O que você faria? Sacrificaria a vida de uma pessoa para salvar as outras cinco?
Esse dilema também envolve um conflito entre o utilitarismo e a ética dos direitos individuais. O utilitarismo defenderia a ideia de sacrificar a vida do paciente saudável para salvar as vidas dos outros cinco pacientes gravemente doentes. Afinal, isso maximizaria o bem-estar geral, pois mais vidas seriam salvas.
No entanto, a ética dos direitos individuais destaca que cada pessoa tem o direito à sua própria vida e não pode ser usada como um meio para atingir um fim, mesmo que seja para salvar outras vidas. Nesse sentido, sacrificar a vida do paciente saudável seria considerado uma violação de seus direitos individuais.
Assim como no primeiro dilema, não há uma resposta definitiva para o que seria a coisa certa a fazer. O utilitarismo argumentaria em favor do sacrifício do paciente saudável para salvar mais vidas, enquanto a ética dos direitos individuais defenderia a proteção do direito à vida de cada pessoa, mesmo que isso resulte em um maior número de mortes.
3. Dilema do Navio Naufragando:
Neste terceiro dilema, você está em um navio naufragando e há um bote salva-vidas com capacidade para cinco pessoas. No entanto, há seis pessoas a bordo, incluindo você. Se nada for feito, todos afundarão. A única maneira de sobreviver é jogar uma pessoa ao mar para salvar as outras cinco. O que você decide fazer? Sacrificaria uma vida para salvar as outras cinco?
Esse dilema traz à tona o conflito ético entre o utilitarismo e o dever moral de não causar danos. O utilitarismo argumentaria que jogar uma pessoa ao mar para salvar as outras cinco é justificado, pois resultaria em um maior bem-estar geral, já que mais vidas seriam salvas.
A ética do dever moral, também conhecida como ética deontológica, é uma abordagem ética que se concentra na obrigação de agir de acordo com determinados deveres e princípios morais. Nessa perspectiva, o foco principal está na natureza intrínseca da ação e na sua conformidade com princípios éticos estabelecidos.
Por outro lado, o dever moral de não causar danos, muitas vezes associado à ética deontológica, sustenta que é moralmente errado causar intencionalmente a morte de uma pessoa, mesmo que seja para salvar outras vidas. Nesse sentido, jogar alguém ao mar seria considerado um ato imoral.
Assim como nos dilemas anteriores, não existe uma resposta unânime sobre qual seria a coisa certa a fazer. O utilitarismo argumentaria em favor do sacrifício de uma pessoa para salvar mais vidas, enquanto o dever moral de não causar danos enfatizaria a importância de respeitar o valor intrínseco de cada vida humana e evitar a ação que cause intencionalmente a morte de alguém.
Esses dilemas éticos desafiam nossa ética e moralidade, forçando-nos a tomar decisões difíceis que podem envolver a perda de vidas humanas. Cada um deles apresenta uma situação complexa em que devemos considerar os princípios éticos em conflito, como o utilitarismo, a ética dos direitos individuais ou o dever moral. Não há uma resposta fácil ou universalmente correta para esses dilemas, e a resposta pode variar de acordo com as perspectivas individuais e os valores pessoais de cada pessoa. No contexto do trabalho em Compliance, esses dilemas ressaltam a importância de um profundo entendimento dos princípios éticos e a capacidade de tomar decisões éticas em situações desafiadoras.