Conflito de Interesses: Um Risco Real
Em muitas empresas, o compliance reporta diretamente ao departamento jurídico. À primeira vista, essa estrutura pode parecer lógica, uma vez que o compliance legal é uma parte integrante das responsabilidades jurídicas. No entanto, essa configuração pode acarretar riscos e desafios significativos, comprometendo a eficácia do programa de compliance e, consequentemente, a integridade da organização.
Uma das principais preocupações com essa estrutura é o potencial conflito de interesses. O departamento jurídico tem como principal responsabilidade proteger a empresa em questões legais, incluindo a defesa em casos de não conformidade. Se o compliance estiver subordinado ao jurídico, pode haver uma tendência de minimizar ou até mesmo encobrir violações para proteger a empresa de possíveis repercussões legais. Isso compromete a objetividade do programa de compliance e prejudica sua capacidade de identificar e relatar violações de forma imparcial e eficaz.
Um estudo da Society of Corporate Compliance and Ethics (SCCE) e da Health Care Compliance Association (HCCA) revelou que 41% dos profissionais de compliance acreditam que o maior risco de ter o compliance subordinado ao jurídico é o conflito de interesses. A pesquisa sugere que a independência do compliance é crucial para garantir que as questões de conformidade sejam tratadas com a devida seriedade e imparcialidade, sem a influência indevida de interesses legais que possam estar em jogo.
A Necessidade de Independência
Outra questão crucial é a falta de independência na tomada de decisões. O compliance deve operar de forma independente e imparcial, com a autoridade para questionar e desafiar práticas e decisões corporativas, incluindo aquelas da alta administração. Quando o compliance reporta ao jurídico, pode haver pressão para priorizar interesses legais em detrimento de conformidade e ética. Essa falta de autonomia pode resultar em uma tomada de decisões comprometida, onde o foco em evitar problemas legais supera a necessidade de manter padrões éticos rigorosos.
Um artigo da Harvard Law School Forum on Corporate Governance destacou que a independência do compliance é fundamental para que a função possa identificar e corrigir condutas inadequadas sem medo de represálias ou influências externas. A pesquisa indica que, em empresas onde o compliance não possui independência, há uma tendência de subnotificação de incidentes e uma menor eficácia dos programas de conformidade.
A Realidade no Brasil
No contexto brasileiro, essa estrutura não é apenas comum, mas prevalente. De acordo com uma pesquisa da PwC realizada em 2021, que entrevistou 100 profissionais de compliance, 59% das empresas brasileiras têm o departamento de compliance reportando ao jurídico. Essa prática, embora comum, levanta preocupações sobre a eficácia dos programas de compliance nessas organizações.
Outro estudo da KPMG Brasil sobre o papel do compliance nas empresas brasileiras revelou que a falta de independência do compliance pode levar a uma diminuição na confiança dos funcionários no sistema de denúncias internas. Além disso, a pesquisa mostrou que empresas com uma estrutura de compliance independente reportam uma maior detecção e correção de condutas impróprias.
Repensando a Estrutura de Reporting
independência do compliance é fundamental para proteger não apenas a empresa, mas também seus stakeholders. Um programa de compliance eficaz deve ter a liberdade de operar sem pressões externas que possam comprometer sua missão de garantir conformidade e ética dentro da organização.
Estudos internacionais, como o relatório da Deloitte sobre governança corporativa, indicam que empresas com programas de compliance independentes tendem a ter uma melhor performance em termos de governança e conformidade. O relatório sugere que a independência do compliance pode aumentar a transparência e a responsabilidade dentro da organização, criando uma cultura corporativa mais robusta e ética.
As empresas brasileiras precisam reconsiderar a estrutura de reporting de seus departamentos de compliance. Manter essa função independente do jurídico não significa eliminar a parceria entre as duas áreas, mas garantir que o compliance tenha a autonomia necessária para desempenhar seu papel de forma eficaz.
Exemplos de Boas Práticas
Empresas que adotaram a independência do compliance têm demonstrado resultados positivos em termos de conformidade e ética. A Siemens, por exemplo, após um grande escândalo de corrupção, reestruturou seu programa de compliance para reportar diretamente ao conselho de administração, garantindo total independência do jurídico. Isso permitiu à empresa restabelecer sua reputação e fortalecer sua cultura de integridade.
Outra referência é o Deutsche Bank, que, em resposta a questões de governança, reformulou sua estrutura de compliance para operar independentemente do departamento jurídico, resultando em uma maior detecção de irregularidades e uma resposta mais rápida a questões de conformidade.
Conclusão
A parceria entre compliance e jurídico é essencial e deve ser incentivada. No entanto, o compliance deve manter sua independência para que possa operar de maneira objetiva e imparcial. Reestruturar o reporting do compliance é um passo necessário para fortalecer a integridade e a eficácia dos programas de compliance nas empresas brasileiras.
Afinal, a independência do compliance não é apenas uma boa prática – é uma necessidade estratégica para proteger a empresa e seus stakeholders a longo prazo. Manter essa independência é vital para garantir que as questões de conformidade sejam tratadas com a devida seriedade, e que a empresa possa operar dentro dos mais altos padrões éticos e legais.